A cadeia produtiva de carne bovina do Brasil vive momentos bem distintos em 2021. Uma performance crescente no volume e faturamento dentro do mercado internacional e, ao mesmo tempo, a suspensão de compras por parte de parceiros comerciais devido a casos envolvendo a sanidade do alimento. O abate de bovinos recuperou-se bem no segundo trimestre deste ano, passou de sete milhões de cabeças, e a boa notícia veio junto com um excelente resultado das exportações. Os embarques de carne in natura e processada aumentaram 11% em agosto e alcançaram 211.850 toneladas. Pela primeira vez na história, o Brasil embarcou acima de duzentas mil toneladas em um único mês. Na receita, o aumento foi de 56%. Outro recorde mensal, com US$ 1,175 bilhão. Em oito meses de 2021, os volumes caíram 1%, mas a receita subiu 15%. São 1.283.641 toneladas e receita de US$ 6,26 bilhões.
Um ambiente internacional favorável por causa da diminuição da oferta, principalmente de Argentina e Austrália, tradicionais fornecedores. Entretanto, o Brasil ainda convive com ocorrências sanitárias que colocam dúvidas sobre a nossa proteína. A China, principal cliente, não compra nada desde o dia 4 de setembro, em razão de dois casos de Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), também chamada de ‘Mal da Vaca Louca’, em Minas Gerais e Mato Grosso. É a segunda vez em dois anos. Em junho de 2019, o Brasil teve que suspender as exportações para os chineses após um fato semelhante, e a situação só voltou ao normal dez dias depois.
A Arábia Saudita, outro importante comprador da proteína brasileira, também anunciou o cancelamento de importações. Isso sem falar no caso dos Estados Unidos, que ficaram sem comprar nossa carne in natura durante três anos, de 2017 a 2020, por causa de abcessos nas carcaças provocados por reações à vacina contra a Febre Aftosa. Depois de o Brasil ter conquistado espaço após uma década de negociações. Agora, o Governo tenta liberar os negócios, revertendo a medida tomada pelos dois parceiros. E voltar a comercializar normalmente, com mais de 180 nações. “Quando temos um evento sanitário, se tivéssemos condições de assegurar com exatidão qual a origem daquele animal, poderíamos tomar decisões mais acertadas, delimitando imediatamente a área e implementando ações para conter e isolar o problema sem ter que excluir todo um país, como aconteceu agora, neste evento da Vaca Louca atípica”, explica Luciano Vacari, gestor de Agronegócio e diretor da Neo Agro Consultoria. “A identificação individual de bovinos eleva a rastreabilidade ao patamar mais alto da pecuária mundial. No caso de ocorrências sanitárias, auxilia na detecção precoce dos casos de doenças, e isso está intimamente associado ao sucesso dos planos de contingência e controle de foco de enfermidades, garantindo o status sanitário do rebanho brasileiro”, reforça Paulo Costa, coordenador dos Protocolos de Rastreabilidade da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA).
O tema vem sendo intensamente debatido pelas empresas que integram a Associação Brasileira das Empresas de Certificação por Auditoria e Rastreabilidade (ABCAR) e ganhou intensidade maior com o fechamento imposto por chineses e árabes, além da previsão de garantias adicionais que venham a pressionar a cadeia produtiva nacional por conta da pandemia da Covid-19. “Se tivéssemos uma rastreabilidade individual para exportação, estabelecida para todos os mercados, facilitaria todo o vazio sanitário quando um caso de enfermidade fosse detectado. Provocaria um bloqueio sanitário mais rápido e eficiente, com rastreabilidade, o que tranquilizaria todos os nossos parceiros comerciais. Além de ser uma solução lógica e necessária para quem deseja estar em um mercado exigente, como o da carne bovina”, comenta Aécio Flores, vice-presidente da ABCAR.
“O importante na rastreabilidade é conseguir voltar ao animal, saber por onde ele passou, que contato teve com outros bovinos. Sanitariamente falando, é uma segurança muito grande, facilita o isolamento, tem uma lógica clara. Ela existe para esse fim, permitir controle, segregação sanitária, isolando o problema. Hoje, nosso país inteiro sai prejudicado em qualquer caso. Até existe a guia de movimentação dos rebanhos (GTA), mas não se sabe quais são efetivamente movimentados. A identificação individual é um instrumento favorável para todos os pecuaristas porque permite o isolamento das fazendas. Para os frigoríficos, porque indica exatamente o caminho das boiadas sadias ou não. E para o Brasil, que mantém as trocas comerciais internacionais mesmo com algum caso isolado de doença na pecuária, sem prejudicar o país inteiro. O indivíduo tem que ser identificado. Caso contrário, a coisa cresce, da fazenda para a região, da região para o estado, e daí para o país inteiro. É segurança para todos e merece o fomento urgente por parte das autoridades”, defende Thiago Witzler, integrante do Conselho da Associação.
Thiago também pontua os indicadores financeiros que envolvem a questão. Como o preço da arroba dentro do Brasil e os nichos de mercado já conquistados ao longo das últimas décadas. “Quando há um caso de doença ou ocorrência sanitária, se houvesse o rastreamento individual, o preço não cairia, como ocorreu nas últimas semanas no nosso país. Por outro lado, importadores muito exigentes, como a União Europeia, mesmo agora, seguem negociando normalmente porque os protocolos mantidos com o Governo brasileiro trazem embutidos patamares específicos de identificação individual dos bois e das vacas. Mesmo com a China fechada, alguns frigoríficos no Brasil parados e a Arábia Saudita cancelando algumas plantas”, explica Witzler.
“No caso da Europa, é um acordo sanitário claro e que prevê a identificação individual. Logo, precisamos de acordos sanitários que tragam essa questão embutida. Nem precisa ter o estandarte da União Europeia, mas colocar a identificação individual do rebanho com numeração oficial”, acrescenta Aécio Flores. “Sem dúvida alguma, a rastreabilidade é a maior e mais eficiente ferramenta à disposição de toda a cadeia de valor da carne bovina, pois garante alimento seguro na mesa de todo o mundo. Identificando com toda a precisão o passo a passo daquele produto. Do pasto ao prato. Sem falar no manejo dos animais e no efetivo controle administrativo e de gestão da propriedade. Com um custo de implantação infinitamente menor diante do benefício e da segurança que traz a todos”, reforça Luciano Vacari.
Pois também é justamente o trabalho dentro das fazendas que justifica outro ponto defendido pelas empresas que atuam no segmento. Principalmente neste momento em que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) vem conduzindo o plano de retirada da obrigatoriedade da vacinação contra a Febre Aftosa em várias regiões brasileiras. “A liberação da vacinação contra a Aftosa exige atenção. Com rastreabilidade individual, não há problema. Isso é matéria técnica. Temos uma oportunidade única para solucionar de vez essa questão. E garantir segurança à comercialização de carne bovina no mundo. E no Brasil, inclusive, porque o consumidor de hoje é exigente em todos os cantos do mundo. É uma solução que já está em nossa casa”, indica o vice-presidente da ABCAR.
Assim como aproveitar o panorama otimista que o mercado está apresentando, de bastante procura por carne bovina brasileira. Tanto que os dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), mesmo com as restrições chinesas e árabes, indicam um volume de proteína bovina exportada pelo Brasil seguindo firme em setembro. Nos dez primeiros dias do mês, já são 86,88 mil toneladas de carne bovina in natura embarcadas, com remessa diária média bastante alta, de 12,41 mil toneladas, 80% acima da observada em setembro do ano passado. “O ideal é que o Brasil consiga avançar na rastreabilidade por identificação individual pela própria profissionalização da pecuária. E não porque, em algum momento, a identificação individual seja uma regra imposta pelos mercados importadores como condição para compra. A identificação individual eleva o nível de profissionalismo dos pecuaristas, pois coleta dados e fornece informações para que eles realizem tomadas de decisão com base em números e indicadores de produtividade, trazendo mais eficiência no manejo produtivo e melhores retornos financeiros”, resume Paulo Costa. Uma postura também sonhada pelos empresários ligados à ABCAR. “A rastreabilidade e a certificação são investimentos com retorno garantido, que resultam em margens excelentes. Para o produtor, para a indústria e para o País. Sem precisar de pressão externa. Basta colocar nos protocolos sanitários a rastreabilidade individual”, conclui Aécio Flores.